INTRODUÇÃO
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Prezados irmãos e amigos. Não pretendo com esse Blog modificar o pensamento das pessoas. Não tenho a pretensão de ser dono da verdade, pois acredito que nenhuma religião ou seita detém o privilégio de monopolizá-la. Apenas estou transmitindo informações, demonstrando a minha crença, a minha verdade. Cabe a cada indivíduo a escolha de como quer entender as coisas do mundo em que vive, como quer viver a sua vida, e quais os métodos que quer utilizar para suas colheitas. Como disse Jesus, "A semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória", ou seja, o plantio é opcional, você planta o que quiser, mas vai colher o que plantar. Por isto, muito cuidado com o que semear.
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Entrevista com Herculano Pires

ENTREVISTA COM O PROF. J. HERCULANO PIRES
Esta entrevista foi extraída do Anuário Espírita 1964
Instituto de Difusão Espirita Brasil – IDE
Araras – SP – Brasil

O “Anuário Espírita”, atendendo ao objetivo maior que pretende atingir – o de levar a Doutrina Espírita ao cérebro e ao coração do povo, - procurou entrevistar o escritor e jornalista Prof. J. Herculano Pires, um dos mais profundos conhecedores do Espiritismo, em nosso País, denodado lidador da pena a favor da divulgação dos postulados kardequianos, seja no difícil mister da tradução, seja, no arrojo com que se entrega à disseminação efetiva das leis morais que os espíritos ensinam.
Não há, com efeito, quem desconheça o irmão Saulo do jornalismo paulistano, que tantos artigos primorosos tem entregue ao público, na qualidade de fervoroso defensor da pureza doutrinária da Terceira Revelação. O desassombrado colunista do “Diário de São Paulo” e de outros jornais da Capital Paulista, sobre ser crítico literário dos mais respeitáveis, é Bacharel e Licenciado em Filosofia pela Universidade de São Paulo; ex-Catedrático de Filosófica da Educação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara; Conselheiro da União Brasileira de Escritores; Membro Titular do Instituto Brasileiro de Filosofia; ex-Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de S. Paulo; Presidente do Clube dos Jornalistas Espíritas de S. Paulo; Diretor do Instituto Educacional Espírita Metropolitano de S. Paulo; Sócio Correspondente do Instituto de Cultura Espírita do Brasil e Secretário Geral do Instituto Paulista de Parapsicologia.
Poeta de fina sensibilidade, além de romancista de mérito, Herculano Pires, dentre os numerosos trabalhos doutrinários e as magníficas traduções de alguns livros de Allan Kardec e de outros nomes respeitáveis, tem, até o presente momento, publicado as seguintes obras, dentre outras: “O Caminho do Meio”; “Daga Moriga”, “Tempo das Magnólias”: “Barrabas, o Enjeitado”; “Um Deus vigia o Planalto”; (Romances); “Estradas e Ruas”; “Argila”; “África” (Poesias); “Os Filósofos” (História da Filosofia); “O Reino” (Ensaio de Cristianismo Social); “As Dimensões da Educação” (Ensaio Pedagógico); “Farias Brito: um penitente da filosofia” (Ensaio); “A Dinâmica Espiritual de Gandhi” (Ensaio); “Arigó: um caso de fenomenologia paranormal” (Estudo); e “Curso de Introdução ao Espiritismo” – no prelo.
Ao ilustre professor, apresentamos as seguintes questões que mereceram, como terá o leitor oportunidade de observar, respostas admiráveis:
A. E. - Gostaríamos, inicialmente, de solicitar ao ilustre Professor alguns informes sobre as atividades espíritas, nos dias que correm, na Pátria de Allan Kardec. Preocupam-se os nossos irmãos franceses com a personalidade impar do Codificador?
H. P. - Ao contrário do que geralmente se diz, o Espiritismo na França não morreu. Embora não tenha atingido o desenvolvimento que era de esperarmos, depois do grandioso trabalho do Codificador, dos seus colaboradores e continuadores, - e isso em virtude das próprias condições da evolução europeia, - o Espiritismo francês continua a ser uma realidade promissora. Basa dizer que a “Revue Spirite” continua a circular, a “Maison des Èsprits” foi reaberta em Paris, e até o movimento de Mocidade Espíritas já está sendo articulado na França. Como no passado, os dois movimentos espíritas de língua francesa, na Europa, o da França e da Bélgica, articulam-se atualmente para um renascimento espírita europeu, que dentro em pouco será uma das mais belas realidades mundiais. Não é profecia. Apenas prognóstico, diante das informações que nos chegam de ambos os países. No tocante a Allan Kardec, a posição do Codificador continua a ser a mesma dos primeiros tempos. Ainda agora nos chega da França, através da gentileza do confrade Cícero Pimentel, um excelente livro, que pretendemos traduzir: “La vie et l’oeuvre d’Allan Kardec”, de André Moreil. É uma satisfação verificarmos, nesse livro, que Moreil trata Kardec de maneira profundamente compreensiva, na mesmíssima posição em que o colocam n Brasil e em outros países, os mais sérios estudiosos da Codificação. Coloca-o no lugar que lhe cabe, de intérprete do Espírito da Verdade, e analisa-o como promotor de um movimento tríplice: científico, filosófico e religioso. Uma das maiores satisfações que tive foi verificar que Moreil confirma, no seu livro, não só a tese da legitimidade religiosa do Espiritismo, como também a das ligações, nesse sentido, que tenho defendido no Brasil, entre o pensamento de Pestalozzi e o do seu discípulo Rivail, mais tarde Allan Kardec. Enganam-se, pois, os que pretendem que o Espiritismo no Brasil é diferente do que se faz na França. Foi de lá que nos vieram os três aspectos da Doutrina, através da obra de Kardec, e lá continuam os três aspectos em pleno desenvolvimento.
A. E. - Que poderia nos dizer com referência ao progresso do Espiritismo em plagas portenhas? Quais os nomes de maior evidência na divulgação espirita, na Argentina?
H. P. - Há hoje estreita relação entre o Espiritismo argentino e o brasileiro. Recebemos as numerosas revistas argentinas de Espiritismo, temos correspondência com vários confrades portenhos, e alguns deles nos visitam constantemente. Ainda agora acaba de deixar-nos o confrade prof. Alejandro Eru, que me trouxe expressiva carta do dr. Humberto Mariotti, recentemente eleito presidente da Confederação Espírita Argentina. Admiro sobretudo o aspecto cultural do movimento espírita argentino, que através da Editorial Victor Hugo – fundada quando Franco mandou queimar os livros espíritas na Espanha, - vem nos oferecendo uma vigorosa linha editorial de alta interpretação doutrinária. Agora mesmo devemos assinalar o aparecimento do livro de Mariotti: “Parapsicologia y Materialismo Histórico”, que completa o seu livro anterior: “Dialética y Metapsíquica”, bem como se junta aos livros de Manuel S. Porteiro: “Espiritismo Dialético” e “Sociologia Espírita”. Bastam esses títulos, para mostrar-nos a pujança cultural do movimento espírita argentino. Quanto aos nomes de divulgadores em maior evidência, não é justo mencionar os que me são evidentes, pois certamente há outros.
A. E. - Atendendo ao caráter popular de nosso ANUÁRIO ESPÍRITA, achamos oportuno solicitar-lhe os seguintes esclarecimentos:
a) Quais os pontos de contato entre Espiritismo e parapsicologia?
b) Por que espíritas bem intencionados e conhecedores profundos dos princípios doutrinários do Espiritismo se preocupam, às vezes em demasia, com a divulgação dos conhecimentos parapsicológicos?
c) Qual a diferença fundamental entre parapsicologia e metapsíquica?
d) Que pode nos dizer acerca do avanço da parapsicologia no Brasil, França, Argentina, Inglaterra e Estados Unidos da América do Norte?
- Responderei assim os itens desta pergunta:
a) A parapsicologia é o estudo científico, através de experiências de laboratório, dos fenômenos espíritas. Os pontos de contato, são, portanto, o objeto e a finalidade dos estudos pois tanto o Espiritismo quanto a parapsicologia investigam os mesmos fenômenos e procuram explicá-los. A diferença entre ambos é que a parapsicologia age no plano das ciências físicas, empregando métodos de investigação comuns a essas ciências, enquanto o Espiritismo, como assinalou Kardec, sendo uma ciência espiritual (veja-se Introdução de “O Livro dos Espíritos” capítulos VII e VIII) emprega outros métodos.
b) Considero-me entre os espíritas que se interessam não em demasia, mas de maneira necessária, pelo estudo e divulgação da parapsicologia. Não sou conhecedor profundo da doutrina, mas julgo-me bem intencionado. Posso, assim, falar por experiência própria. É claro que, sendo a parapsicologia a primeira ciência oficial, se assim podemos dizer, interessar-se, séria e profundamente, pela investigação dos fenômenos espíritas, devemos interessar-nos por ela. Temos mesmo o dever de acompanhar o seu desenvolvimento e dar-lhe a nossa contribuição. Como diz o prof. Rhine, conhecido como o “Pai da parapsicologia”, é ela a primeira ciência a revolucionar o mundo fechado das ciências oficiais, revelando a existência de “um universo extrafísico”. Basta dizer que a parapsicologia já provou, cientificamente, a existência de três classes de fenômenos espíritas: a telepatia, a clarividência, a precognição (ou profecia), e a psicocinesia (ação da mente, e portanto do espírito, sobre a matéria).  A Parapsicologia se apresenta assim, como o “referendum” científico (das chamadas ciências materialistas) à fenomenologia espírita. E com isso se apresenta, também, como nova porta aberta ao conhecimento da realidade espiritual, para aqueles que não querem entrar pela porta do Espiritismo, em virtude de sua formação científico-materialista.
c) A diferença entre Parapsicologia e Metapsíquica não é fundamental, mas superficial. Consiste apenas na metodologia. A Metapsíquica enfrentava os fenômenos espíritas através da chamada investigação qualitativa, enquanto a parapsicologia o faz pela investigação quantitativa. Quer dizer: a Metasiquica se interessava pela qualidade dos fenômenos; a Parapsicologia, sem poder, evidentemente, deixar de lado o critério qualitativo, interessa-se fundamentalmente pela quantidade, segundo o critério geral da investigação científica materialista. O método quantitativo da investigação parapsicológica consiste na repetição exaustiva das experiências, para a verificação da existência ou não dos fenômenos, através do controle estatístico das ocorrências submetidas ao tratamento matemático, nas bases do cálculo de probabilidades. Foi essa a maneira que Rhine encontrou, e hoje universalmente aceita, para provar aos cegos a existência da luz.
d) No Brasil, a Parapsicologia esta começando a ser conhecida, graças ao caso Arigó. Para defender o médium de Congonhas, tivemos de lançar mão da Parapsicologia, e ao mesmo tempo de procurar divulga-la. Em sentido contrário, sacerdotes católicos que combatem o Espiritismo, como Frei Boaventura, Irmão Vitrício, e outros, fundaram no Rio um Instituto Brasileiro de Parapsicologia. E premiaram um livro sobre “letargia”, cuja finalidade evidente é combater o Espiritismo. Assim, a Parapsicologia, no Brasil, estava sendo desviada para a negação do sentido espiritual dos fenômenos espíritas. Foi quando o Clube de Jornalistas Espíritas instituiu em São Paulo o primeiro curso regular, dado até hoje no país, de Introdução à Parapsicologia, repondo a referida ciência no seu verdadeiro lugar. Desse curso surgiu o Instituto Paulista de Parapsicologia, que tem como presidente o prof. Anibal Silveira, da Universidade de São Paulo, especialista em psicologia, e como vice presidente os profs. Drs. Cândido Procópio Ferreira Camargo, da escola de Sociologia e Política da Universidade de São Paulo, e Alberto Lira, medico psiquiatra de grande renome e autor de livros sobre a matéria. Nenhum deles, entretanto, é espírita. E a primeira instituição científica de Parapsicologia a surgir no Brasil, sem nenhuma subordinação sectária ou intenção secundária. Há grandes esperanças em torno de suas atividades. Quanto à França, à Argentina, à Inglaterra e aos Estados Unidos, todos esses países estão em posição de vanguarda, sendo os Estados Unidos, pela sua Universidade de Duke, na Carolina do Norte, o berço da nova ciência. Devemos acrescentar que a Rússia vem também se dedicando à investigação parapsicológica, destacando-se atualmente as experiências do prof. Vassilievitch, o que mostra a real universalidade da nova ciência.
A. E. – Atualmente, em que consistem as atividades do Clube dos Jornalistas Espiritas de São Paulo?
H. P. – As atividades do Clube dos Jornalistas Espiritas de São Paulo, hoje como ontem, desde a sua fundação, consistem num duplo esforço de divulgação e preservação da pureza doutrinária do Espiritismo. Nesse esforço de preservação incluímos a defesa da liberdade do movimento espírita, só admitindo a unificação do movimento no plano da colaboração permanente entre as entidades, sem autoritarismo. Luta o Clube contra todas as formas de deturpação da Doutrina e do Movimento. Para isso, institui cursos, promove conferências, distribui colaborações à imprensa espírita, promove a venda das obras de Kardec a preço de custo, e apoia o movimento dos Grupos de Estudos Espiritas, cujo objetivo é facilitar o estudo metódico da codificação por método especial, em todo o país, através do correio.
A. E. – Com se desenvolvem os trabalhos do já famoso “Serão Espirita”, aos sábados, no Clube dos Jornalistas Espiritas?
H. P. – Os trabalhos do “Serão Espirita” desenvolvem-se com a simplicidade habitual. Há mais de sete anos vimos promovendo os “serões”, que representam uma oportunidade de livre estudo e livre discussão da Doutrina. Há sempre um capítulo ou item de “O Livro dos Espíritos” a ser discutido, e posteriormente o tempo destinado a “temas livres”. Sob a direção dos elementos da Mesa, as discussões se processam em forma de conversação. Considero essa forma das mais úteis, para o esclarecimento dos problemas doutrinários.
A. E. – Na sua opinião, Professor, depois da prática da caridade, qual a necessidade maior do espírita?
H. P. – A resposta está na comunicação do Espírito da Verdade, que figura no cap. VI de  “O Evangelho Segundo o Espiritismo”: “Espiritas, amai-vos; eis o primeiro mandamento; instruí-vos, eis o segundo.”
A. E. – Qual e o seu ponto de vista acerca dos espíritas brasileiros que apenas se preocupam com a parte fenomênica do Espiritismo?
H. P. – Kardec já os definiu, no cap. VII das “Conclusões” de “O Livros dos Espíritos”, quando classificou os adeptos em três graus. Os do primeiro grau são os que “creem nas manifestações e se limitam a constatá-las”. Os dois graus seguintes são: o dos que compreendem as consequências morais, e o dos que praticam ou se esforçam por praticar a moral espírita.
A. E. – Por que teria Allan Kardec se servido do método dialético ao organizar O Livro dos Espíritos?
H. P. – Kardec serviu-se do método dialético de exposição, mais propriamente chamado de método dialogado, por uma questão de fidelidade ao texto dos Espíritos, que lhe era dado em formas de respostas. Não havia e não há nenhum inconveniente nesse fato. O diálogo é uma forma tradicional e fecunda de exposição filosófica, ainda hoje adotada, particularmente no campo da divulgação. Mas há também o método dialético, de elaboração doutrinária, de formulação de conceitos e interpretações da realidade, que é intrínseco à Doutrina. Esse método, como vemos pela expressão “intrínseco”, foi imposto a Kardec pela própria natureza do Espiritismo, que é dialética. Essa natureza dialética, vem das próprias fontes históricas da Doutrina: o Cristianismo, com a sua colocação do homem diante do mundo, com uma posição dialética, da qual resulta a síntese da “salvação”; o Druidismo, com o sistema das tríades explicativas do mundo e da vida; filosoficamente, o Platonismo, que Kardec cita em “O Evangelho Segundo o Espiritismo” como precursor da Doutrina. Compreende-se, assim, que a utilização do diálogo, por Kardec, justifica-se por todos os motivos.

A. E. – Na magnífica tradução de “O Livro dos Espíritos” que o caro professor fez para a LAKE, há uma nota interessante que nega o caráter sistemático da Doutrina Espírita. Poderia fornecer-nos maiores esclarecimentos a respeito?
H. P. – Quem nega o caráter sistemático do Espiritismo é o próprio Kardec nos “Prolegômenos” de “O Livro dos Espíritos”; quando diz que o livro foi escrito “por ordem e sob ditado dos Espíritos Superiores, para estabelecer os fundamentos de uma filosofia racional, livre dos prejuízos do espírito de sistema”. Isso não quer dizer que não haja um sistema doutrinário espírita, o que seria absurdo. Toda doutrina é um sistema. Mas, há sistemas livres, dinâmicos, e sistemas fechados, estáticos. Os primeiros correspondem ao espirito da Filosofia; os segundos, ao espírito das Religiões. Como a Filosofia nasceu da religião, e esta é interpretada sempre de forma rigidamente sistemática, durante muito tempo os filósofos elaboraram grandes sistemas filosóficos, que fizeram época. No tempo de Kardec, os sistemas filosóficos imperavam. O sistema de Hegel, por exemplo, e o de Tomaz de Aquino. E nesse mesmo tempo surgiam dois novos sistemas: o Positivismo e o Marxismo. Eram o que podemos chamar “sistemas-sistemáticos”, construções dogmáticas do pensamento. Os Espíritos Superiores indicaram a Kardec a inconveniência dessas construções, que encarceravam o pensamento em determinados princípios. Daí a formulação por Kardec de um “sistema não-sistemático”, ou seja, livre “dos prejuízos do espírito de sistema”. Uma doutrina que, à maneira do Evangelho, se constituía de orientações gerais do pensamento. Este é um aspecto que nos revela a perfeita atualidade do Espiritismo, no plano filosófico. Hoje, os filósofos se interessam pela “problemática” e não pela “sistemática” filosófica, ou seja, dedicam-se mais à investigação livre dos problemas da Filosofia, do que à formulação de sistemas filosóficos. Por isso escreve Ernst Cassirer, o grande filósofo alemão, que os sistemas são como leitos de Procusto, “e que os fatos empíricos são obrigados a se acomodar”. Procusto era um bandido mitológico da Ática, que punha as suas vítimas num leito de ferro: se as vítimas eram maiores, cortava-lhes as pernas; se eram menores, espichava-se até o comprimento do leito. Como se vê, os Espíritos e Kardec estavam certos, ao não quererem submeter os fatos reais ao leito de Procusto de uma determinada teoria.
A. E. – Quais os pontos de aproximação entre o criticismo kantiano e criticismo kardequiano?
H. P. - Kant foi o crítico da razão; Kardec, o crítico da fé. Por isso, se chamamos à filosofia kantiana de racionalismo-crítico, podemos chamar o Espiritismo de fideísmo-crítico. Kardec é o filósofo (não-sistemático, mas ne por isso menos filosofo) da “fé-raciocinada”. Até ele, a fé era intuitiva, e os esforços de racionalização da fé, desenvolvidos na Idade Média, tinham apenas o sentido de tornar os dogmas da Igreja aceitáveis pela razão. Com Kardec, pelo contrário, não se trata de fazer a fé adaptar-se ao leito de Procusto de qualquer dogmática, mas de submeter a fé às exigências do “espírito crítico”, ou seja, às exigências de exame genético da fé (origem e aspecto) e exame ontológico (conteúdo e significação). Somente o Espiritismo, por isso mesmo, resolveu o debate milenar sobre o problema de fé e razão. Kardec completa, no plano filosófico, o criticismo kantiano. Dia virá em que os filósofos lhe farão justiça.
A. E. – Como entender a resposta dos Espíritos à 1ª. Pergunta de “O Livro dos Espíritos”, atinente a Deus, quando antepõem a palavra “inteligência” à própria “causa primária de todas as coisas”?
H. P. - Para o Espiritismo, Deus é a realidade fundamental, da qual decorre a existência de todas as coisas. Assim, antes de ser causa, Ele “era”. Ou seja, antes de criar o Universo, Ele já existia. Por isso, quando os Espíritos respondem à pergunta de Kardec: “O que é Deus”, colocam em primeiro lugar a natureza de Deus, que é inteligência, e só depois a consequência disso: “causa primária de todas as coisas”. Quer dizer: Deus não podia ser causa de coisa alguma, sem antes ser alguma coisa. Ora, o que Ele era, teria de vir em primeiro lugar. Definida a sua natureza e a sua existência anterior, como Inteligência Suprema, só então se poderia falar de sua atividade, como criador, e portanto como causa de todas as coisas.
A. E. – Em sua opinião, o Espiritismo no Brasil core o risco de se dividir em diversas correntes, visto como se entregam numerosos adeptos, sem a devida análise, à divulgação de movimentos paralelos e até contrários à Doutrina Espírita?
H. P. – Kardec dedicou um capítulo do seu trabalho da exposição de motivos, sobre a Constituição do Espiritismo, ao problema dos cismas. Podemos consultar esse capítulo em “Obras Póstumas”. Ele se aplica perfeitamente ao que hoje ocorre no Brasil. Escreveu Kardec: “seitas poderão formar-se ao lado da doutrina, seitas que não lhe adotem os princípios ou todos os princípios; não, porém, dentro da doutrina, por efeito de interpretação dos textos”. Por que não? Kardec o explica no trecho anterior a esse que citamos: “a precisão e a clareza dos textos não permitirão os sofismas que foram formulados em torno dos Evangelhos”. Assim, os chamados “movimentos paralelos” nunca passarão disso, - apenas paralelos. A doutrina é clara e precisa; não poderá ser confundida com miscelâneas e sincretismo que proliferam por aí. Por outro lado, como acentua Kardec, “o que é verdadeiro predomina sobre o que é falso”. Não obstante, é necessário que os adeptos conscientes lutem sempre pela preservação da doutrina, a fim de evitarem que pessoas ingênuas se deixem levar por caminhos errados, quando têm pela frente a possibilidade de acertar.
A. E. – Qual o movimento paralelo mais nocivo ao Espiritismo, atualmente? Por que?
H. P. - Os movimentos que podemos considerar paralelos não me parecem nocivos ao Espiritismo. São formas de sincretismo religioso afro-brasileiro, e algumas invenções nacionais, como o Redentorismo e o Espiritualismo Evolucionista. Todas essas correntes tem caráter próprio, que nenhum espírita, conhecedor pelo menos dos princípios fundamentais do Espiritismo, pode aceitar. O mal que essas correntes fazem ao espiritismo é criar confusões em torno de uma designação que só a ele pertence, pois a palavra Espiritismo, como sabemos, foi criada por Kardec para designar a doutrina que ele codificara. Se soubermos, porém, preservar a nossa doutrina, em sua pureza original, as confusões desaparecerão. É tudo uma questão de boa divulgação doutrinária. Penso que os movimentos realmente perigosos para o Espiritismo são os que surgem dentro do próprio movimento espírita, através dos pretensos reformadores encarnados ou desencarnados. Confrades pouco vigilantes, às vezes colocados e posição de liderança, aceitam “revelações” deformantes e ridículas, que proliferam como joio no meio da seara. Aparecem assim as deformações doutrinárias, que não só desfiguram a doutrina, dentro das nossas próprias instituições, com lançam o ridículo sobre o nosso movimento, aos olhos de todas as pessoas de bom senso e de cultura. O único remédio contra isso é o estudo metódico das obras de Kardec, que trazem em si mesmas o antídoto para esses casos. Quem realmente aprender Espiritismo, tomar conhecimento da Terceira Revelação, e tiver a humildade suficiente para compreender que não pode sobrepor-se ao Espírito da Verdade, jamais se deixará levar pelas tentativas reformistas.
A. E. – Um fanático espírita, na sua opinião, é pior do que um fanático de outras religiões? Por que?
H. P. - Do ponto de vista espírita, um fanático espírita, é uma aberração, porque o Espiritismo é uma doutrina racional, que não comporta fanatismo. Já vimos que a fé, no Espiritismo, está sujeita ao exame crítico. Onde se fala de crítica, no sentido exato do termo, que é o do exame aprofundado e sereno das coisas, não há lugar para manifestações de fanatismo. Kardec já dizia, porém, que o entusiasmo excessivo é mais prejudicial à Doutrina que as campanhas dos adversários. Se entendermos por fanatismo o exagerado entusiasmo de certas pessoas, não há dúvida que isso é mais prejudicial à Doutrina do que o fanatismo dos que a combatem. Porque o entusiasta exagerado dá motivos à desconfiança, como o sr. Carlotti o deu ao próprio Kardec, quando pela primeira vez lhe falou das mesas-girantes. Num sentido geral, entretanto, o entusiasta exagerado do Espiritismo não é pior nem melhor do que os de outras doutrinas.
A. E.  Em que erros têm incorrido os diversos tradutores dos livros de Kardec? Qual a melhor tradução de “O Livro dos Espíritos”, por exemplo, aqui no Brasil?
H. P. - Erros de tradução sempre existem, mesmo nas melhores obras. No tocante aos livros de Kardec, é pena que não tenhamos procurado revisar as traduções, em cada nova edição, num confronto objetivo com os originais. Quando traduzi “O Livro dos Espíritos”, minha intenção não foi a de corrigir os outros tradutores, mas a de trazer uma tradução nova, mais adequada ao estilo atual. É claro que aproveitei a oportunidade para tentar algumas corrigendas, mas o editor me castigou, lançando uma edição mais cheia de erros gráficos de que todas as anteriores. Agora, parece que vai corrigi-la, numa segunda edição. Deus queira que o faça. Não foi, porém um castigo à vaidade, pois não pensei jamais em traduzir melhor do que os outros. Pelo contrário, os outros me abriram caminho e muito me ajudaram. As corrigendas que tentei não eram de importância fundamental. Podiam ter sido feitas nas revisões de cada nova edição. Em alguns livros, porém, como “A Gênese”, há erros mais sérios. Um deles, que citei na minha introdução ao livro de Humberto Mariotti, “Dialética y Metapsiquica”, tradução brasileira, é bastante grave. Onde Kardec escreveu: “as religiões sempre foram instrumentos de dominação”, saiu em português: “demolição”. Coisas assim podem ser erros gráficos, de composição linotípica, e não propriamente de tradução. O que falta, como se vê, é mais cuidado com a publicação das obras de Kardec. No tocante ao “O Livro dos Médiuns”, minha preferência pessoal não se definiu. Considero boas as traduções existentes.
A. E.  Que nos pode dizer de certos espíritas que pretendem fundar novas religiões?
H. P. - Não são espiritas. Se o fossem, não tentariam tal coisa, pois saberiam que a época das religiões locais e individuais já passou. Com o advento do Espiritismo, entramos na época da religião em espirito e verdade, que Jesus anunciou à mulher samaritana.
A. E.  Para terminar, caríssimo professor Herculano Pires, muito estimaríamos saber sua opinião sincera sobre a página mais admirável que encontrou no pentateuco Kardequiano? Por que?
H. P. - Toda a obra de Kardec é um admirável monumento de lógica e espiritualidade. Não obstante, é justo que um trecho ou outro se imponha à preferência do estudante. De minha parte, considero particularmente admiráveis pela fluência e clareza do estilo, a precisão expositiva, a riqueza da argumentação e profundidade conceitual, os seguintes trechos: capítulo V da 2ª parte de “O Livro dos Espíritos”, intitulado “Considerações sobre a pluralidade das existências”; capítulo I e II da introdução de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, respectivamente intitulado “Objetivo desta obra” e “Autoridade da Doutrina Espírita”; e o capítulo VI de “A Gênese”, intitulado “Uranografia Geral”, comunicação de Galileu através de Camille Flammarioon, um dos trechos mais discutidos, e entretanto menos estudado, de toda a Codificação, revelando profundidade filosófica, e beleza poética do mais alto grau.



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