Dois Caminhos
Ensino espírita
(Com base em texto extraído da Revista Espírita Allan Kardec, nº 39)
Clássica é a
pergunta que Alice (em "Alice no País das Maravilhas") fez quando se
viu diante de uma bifurcação: "Para onde vai este caminho, e para onde vai
o outro caminho?". Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para
sair daqui? Isso depende muito de para onde queres ir, respondeu o gato. Preocupa-me
pouco aonde ir, disse Alice. Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas, replicou
o gato. A vida é cheia de escolhas e decisões que nos levam por diferentes
caminhos. Em toda a nossa existência, vamos andar por trilhas variadas, mudar a
direção, fazer curvas, ir, voltar e não tem nada de errado nisso. Somos seres
mutáveis e estamos o tempo todo tentando nos descobrir e nos conhecer. Quantas vezes em nossa vida nos deparamos com
decisões sobre qual caminho seguir? E quantas vezes você acha que terá que
enfrentar a mesma indecisão no próximo ano? Não importa de qual tempo estamos
falando, as escolhas sempre farão parte das nossas vidas, desde as mais simples
de decidir até aquelas que nos tiram horas preciosas de sono. O que é
necessário é o discernimento de dar o melhor de si para seguir por um caminho
de forma consciente. As bifurcações estão em nossas vidas o tempo todo. Assim
que você acorda, mesmo que de forma inconsciente, provavelmente enfrentará
diversas delas: ir tomar banho ou tomar café? Colocar uma calça ou um vestido?
Usar o cabelo preso ou solto? Ir trabalhar de transporte público ou pegar o
carro? São decisões mundanas e corriqueiras, mas não deixam de ser escolhas de
qual caminho seguir! No entanto, as escolhas são mais brandas e não demandam
tanta energia. Já em alguns casos maiores, as bifurcações podem parecer intimidadoras
e extremamente difíceis. Na realidade, como já foi destacado, na nossa vida,
dois são os caminhos que se apresentam para nossa escolha; o caminho da
evolução e o caminho da degradação. O caminho da evolução, que é percorrido
após a passagem pela porta estreita, é apertado, difícil, e são poucos os que
conseguem segui-lo; é grande o número dos que não querem trilha-lo; mas,
também, o único que pode salvar a todos que se arrependem. Já o caminho
percorrido após a passagem pela porta larga, a da degradação, e,
consequentemente leva à perdição, é mais fácil, mais espaçoso, sem regras, sem
limitações, faculta os prazeres materiais, sem obediência às leis divinas; ou
seja, tudo aquilo que Jesus rejeitou. Nele você encontrará mais amigos; porém,
você será apenas mais um a caminhar. Agora, o caminho da evolução, que é o
caminho do progresso, nós vemos com os olhos da alma e, por ser mais apertado,
exige conhecimento, atenção, critério, raciocínio, para a devida aquisição da
felicidade futura. Esse caminho passa pela renúncia e exige arrependimento. A
consoladora Doutrina dos Espíritos elucida sobre a existência de duas possíveis
condutas, permitindo-nos lentamente edificar os sentimentos nobres que a
Divindade deseja que adquiramos: a primeira se dá pelo bom aproveitamento e
observação das experiências da vida em si mesma; a segunda, através do estudo.
E consta dos Evangelhos que existem duas portas que dão acesso aos caminhos
pelos quais os homens podem enveredar, no decurso da vida terrena. É fácil saber
se uma pedra foi retirada de um rio ou se foi quebrada em uma pedreira. As
pedras de pedreira apresentam muitas quinas, são ásperas e irregulares,
agressivas ao tato. As pedras de rio são lisas e roliças, já sofreram um
polimento natural. Ao longo do tempo, a correnteza das águas vai se
encarregando de atirá-las umas contra as outras, para arredondar-lhes as
arestas. Na medida em que vão se tornando polidas, vai sendo reduzido o atrito
entre elas, já não se ferem, deslizam harmoniosamente umas entre as outras,
como esferas lubrificadas de um rolimã. O processo evolutivo espiritual das
criaturas humanas pode ser comparado ao do burilamento das pedras de rio. O
Espírito é criado puro e ignorante. Puro, porque não traz qualquer tendência
para o mal. Ignorante, porque não adquiriu ainda qualquer conhecimento. Ao
longo das reencarnações sucessivas, a correnteza da vida também nos atira uns
contra outros; somos levados a conviver entre semelhantes. Em nossa infância
espiritual, ainda como pedras brutas, essa convivência é marcada pelo atrito
entre nossas arestas. A rusticidade do homem das cavernas nos mostra o que
foram nossas primeiras encarnações; o instinto animal predominando sobre a
razão e o sentimento, a matéria sobre o Espírito, o estado de guerra como condição
permanente. Passaram-se séculos e milênios, abandonamos as cavernas,
participamos da construção, do apogeu e da queda de diferentes impérios,
vivenciamos diversas culturas. Com as conquistas da ciência, domesticamos a
natureza, transformamos a paisagem ao nosso redor, descobrimos como tornar a
existência mais confortável. Observando, no entanto, nosso mundo interior, nos
deparamos com a presença incômoda e persistente de imperfeições atávicas,
paleolíticas. A História nos revela que, mesmo após deixar as cavernas, o homem
conservou traços do troglodita em sua intimidade espiritual. Pois foi nossa
ignorância rústica que, diante da vacilação de Pilatos, exigiu o martírio do
doce Jesus. Foram nosso orgulho e nosso egoísmo que produziram as guerras, os
massacres das Cruzadas, as fogueiras da Inquisição e os horrores da
Escravatura. Ingênuos os que supõem que não estavam lá. Assim, ao longo desses
séculos, avançamos muito mais no progresso material, exterior, do que a jornada
ética, íntima, do Espírito. “A evolução espiritual é contínua, não regride
nunca, mas pode ser retardada em seu processamento se não aproveitar bem a
oportunidade que Deus concede ao Espírito reencarnante”. Viver em sociedade é
aspecto essencial desta oportunidade. Frequentemente nos sentimos inconformados
por termos de conviver com pessoas que nos aborrecem, nos irritam, nos são
antipáticas, mas essa convivência é um dos processos naturais do nosso
burilamento. Tais pessoas são indispensáveis: elas nos incomodam exatamente em
nossos pontos mais fracos, mais sensíveis, e nos apontam, portanto, quais sãos
esses pontos, quais são nossas piores arestas: os que precisam de ajuda
incomodam ao nosso egoísmo, os que julgamos melhores que nós nos ferem a
vaidade e o orgulho, e assim por diante. Cada conflito é um alerta e um roçar
polidor de arestas. Quanto mais ásperos somos, mais dolorosos são os atritos,
pois a dor é consequência de nossos atos de desamor para com o próximo, nesta
ou em outras existências. Diferentemente das pedras, entretanto, a criatura
humana, sendo dotada de inteligência, consciência e livre-arbítrio, pode
escolher caminho evolutivo menos doloroso. Jesus nos aponta o rumo: amarmo-nos
uns aos outros. Nenhum de nós foi criado para sofrer e o amor pode livrar-nos
da dor, pois, “ele nos cobre a multidão dos pecados”. A evolução é lei
universal e irrevogável, mas dois caminhos nos são oferecidos para percorrê-la:
dor ou amor. A prática do amor proporciona polimento indolor em nossas almas,
suaviza-nos as arestas, desenvolve-nos o altruísmo, harmoniza nossa convivência
com os semelhantes. A decisão é sempre nossa.
Reflexão:
O objetivo deste
estudo é levar as pessoas a uma reflexão sobre a atual situação de inversão de
valores que existe na sociedade. Sendo nós criaturas em fase de
aperfeiçoamento, oscilamos entre a escolha por uma e outra “porta”, às vezes
conseguindo vencer nossos maus pendores, outras vezes cedendo às nossas
imperfeições. Nosso trabalho de reforma íntima visa a escolher, em definitivo,
a “porta” do Bem. Deus, em Sua sabedoria e em Sua bondade, situa o Espírito
encarnado em ambientes nos quais ele é naturalmente convidado à sublimação.
Coloca-o em um contexto profissional, familiar e social em que precisa atender
uma série de deveres. Se os atende, sacrificando para isso suas fantasias,
caprichos e desejos, atravessa a sua porta estreita, a que lhe cabe naquela
encarnação. É necessário e urgente que a criatura encarnada se empenhe em ser
um profissional honesto e competente, um pai ou mãe presente e dedicado, um
filho respeitoso e obediente, um aluno estudioso, um irmão compreensivo, um
esposo fiel e afetuoso, um cidadão honesto etc.
Ela precisa atentar para os deveres de cada dia e cumpri-los, sem buscar
desculpas para a conduta indigna. Como ensina o Espírito Lázaro, no item 7 do
capítulo XVII de O Evangelho Segundo o Espiritismo, na ordem dos sentimentos, o
dever é muito difícil de cumprir-se, por se achar em antagonismo com as
atrações do interesse e do coração. Ele também afirma que o dever é o mais belo
laurel da razão. Nunca é tarde para mudar de caminho, por piores que tenham
sido as estradas do erro percorridas. Esforcemo-nos por vencer as más
tendências. Não há outra saída. Somente assim poderemos passar pela porta
estreita e criar condições para a salvação de nossa alma imortal.
Muita Paz!