Hipocrisia, a
máscara social!
Para ilustrar o
presente texto, reproduzo uma estorinha popular: O Vendedor de queijos. Certa
vez, em uma cidade do interior, um padeiro foi ao delegado e deu queixa do
vendedor de queijos que, segundo ele, estava roubando, pois vendia 800 gramas
de queijo e dizia estar vendendo um quilo. O delegado pegou o queijo de 1 quilo
e constatou que só pesava 800 gramas e mandou então prender o vendedor de
queijos, sob a acusação de estar fraudando a balança. O vendedor de queijos, ao
ser notificado da acusação, confessou ao delegado que não tinha peso em casa, e
por isso todos os dias comprava dois pães de meio quilo cada, colocava os pães
em um prato da balança e o queijo em outro, e quando o fiel da balança se
equilibrava ele então sabia que tinha um quilo de queijo. O delegado, para
tirar a prova, mandou comprar dois pães na padaria do acusador e pôde constatar
que dois pães de meio quilo se equivaliam a um quilo de queijo. Concluiu o
delegado que quem estava fraudando a balança era o mesmo que estava acusando o
vendedor de queijos. O juiz também é réu. Temos vícios e erros. Mas muitas
vezes julgamos os outros sem antes olharmos para dentro de nós mesmos. Julgamos
os vícios dos outros, sem perceber que temos vícios iguais ou piores. Assim,
com a mesma voracidade que nós julgamos um dia seremos julgados. No décimo
capítulo de O Evangelho segundo o Espiritismo, item 10, lê-se: Um dos defeitos
da Humanidade é ver o mal de outrem antes de vê-lo em nós. Para julgar-se a si
mesmo, seria preciso poder olhar-se num espelho, transportando-se de alguma
forma, para fora de si, e se considerar como uma outra pessoa, perguntando-se:
o que pensaria eu se visse alguém fazer o que faço?”, comentou Kardec. Existe
uma regra básica para ser obedecida ao formularmos uma censura a alguém: é
dirigi-la a nós próprios em primeiro lugar, procurando avaliar se não a teremos
merecido também. Ou seja, deveríamos olhar demoradamente para nós próprios antes
de pensarmos em julgar os outros (Molière). Hipocrisia é uma palavra
originalmente usada para qualificar atores que ocultavam a realidade por trás
das máscaras. Deriva do latim hypocrisis e do grego hypokrisía, ambos
significando a representação de um ator, atuação, fingimento (no sentido
artístico), qualificação dos artistas de teatro com habilidade para imitar a
fala, fingir gestos e modos de outra pessoa. Atualmente, hipocrisia é o ato de
forjar sentimentos, comportamentos e virtudes que não se possui. Ocorre quando
uma pessoa, incapaz de ser verdadeira, simula condutas e exige do outro aquilo
que nem ela mesma possui. Aos poucos esse comportamento se torna um padrão,
chegando num nível onde a máscara vira rosto, ficando praticamente impossível
separá-los. Um exemplo clássico de ato hipócrita é denunciar alguém por
realizar alguma ação enquanto realiza ou realizava a mesma ação. Os hipócritas
mostram-se, em geral, afáveis, com voz macia, parecendo evoluídos, capazes de
transmitir grandes ensinamentos de púlpito para os seus iludidos circunstantes.
São adeptos daquele conhecido princípio: “Faze o que eu mando, mas não faças o
que eu faço”, quer dizer, perdão, fraternidade, igualdade, caridade, humildade
e decência são somente para outros. Sim, suas pretensões os enceguecem de uma
forma tal que, no momento em que levantam a voz, transformam-se em talentosos
atores ou atrizes, a ponto de representarem um personagem imaculado, de uma
impressionante e comovente dramaticidade. Dividamos agora os hipócritas em duas
categorias. Dividamo-los em duas categorias distintas: (a)
hipócritas-egoístas; (b) hipócritas-vaidosos. Os da categoria a, os
egoístas, são uma espécie de impostor que “gosta de levar vantagem em tudo”,
aproveitam-se da sua farsa para satisfazer seus egoísticos interesses mundanos.
Os da categoria b, isto é, os vaidosos, são aqueles que desejam mais, a
qualquer custo, merecer a admiração de todos; o destaque, o brilho, tendo todo
o cuidado de aparentar desinteresse, modéstia. Não é fácil desmascarar estes
últimos. Diferentes dos da categoria (a) que, se descobertos, não dão a mínima
para o que pensem deles, estes últimos, ocultos atrás da máscara da
pseudomodéstia, fazem-se de vítima. Vale ressaltar, no entanto, que tais qualidades
podem até se resumir em uma ou em outra categoria, sendo ambas as espécies de
hipócritas por demais parecidas. Esforçando-se por realizar obras benemerentes,
eles têm boas palavras, frases que impressionam para que os outros pensem que
são realmente bonzinhos, caridosos, justos e acima de qualquer suspeita. No
íntimo, num ou noutro caso, eles sempre ambicionam algo. Os hipócritas não
passam de pessoas sem nenhuma seriedade e, de contínuo, não têm palavra, é
claro, como todo bom impostor que se preze. Ainda que ajudem asilos, hospitais,
os pobres com a cesta básica, o agasalho, a cadeira de rodas, o enxoval de bebê
da mãe solteira etc., no fundo, vivem de uma impostura. Só pessoas de uma certa
maturidade do senso moral é que têm mais facilidade de entender-lhes os
propósitos, de divisar-lhes a arrogância maquiada de simplicidade. Pois é, os
dessa categoria são os hipócritas dos hipócritas, os mais difíceis de acusar o
fundo das intenções. Ao contrário dos da categoria (a), se revelados, não
poupam esforços para o revertério de um quadro desfavorável como se o destino
os tivesse feito sucumbir a uma grande e injusta tragédia. (Esta categoria, de
algum modo, tem muito a ver com os antigos escribas e fariseus). Uma das
dificuldades daqueles que dizem viver de uma realidade e vivem outra
completamente diferente é que passam a não enxergar as suas próprias falhas e
enganos. Eles veem a todo tempo os erros alheios, os problemas e o que os
“outros” fazem de mal, mas nunca reconhecem que eles próprios precisam e podem
melhorar em vários sentidos. Não querem enxergar nem retirar as suas próprias
falhas antes de poder alertar os outros. Os hipócritas também desconfiam de
tudo e todos. Na verdade agem assim porque eles próprios são capazes de fazer
todo o mal que sugerem que outros estão fazendo. Li um pensamento atribuído ao
filósofo da linguagem norte-americano Noam Chomsky: “Os hipócritas são aqueles
que aplicam aos outros os padrões que se recusam a aceitar para si mesmos”. O
Mestre Jesus não transigiu em tempo algum com a hipocrisia. A prova é tanta que
usou de todo o rigor com os escribas e fariseus, considerando-os modelo de
hipócritas. Apesar disso, Jesus foi indulgente com as “pessoas de má vida”, com
o “bom ladrão”, especialmente com aqueles que O insultaram, condenaram na cruz,
dando a entender que ser hipócrita é pior que ser criminoso, que ser adúltero.
Será que devemos nos omitir ante o erro da hipocrisia? Será que neste mundo,
por não ser perfeito, o homem não pode se queixar de alguém? O que dizem os
Espíritos a esse respeito, à luz da sua Doutrina, sabedores de que Jesus recomendara
o “não julgueis a fim de que não sejais julgados”? Disse ainda aos escribas e
fariseus: “Aquele que não tiver pecado, que atire a primeira pedra”. Graças aos
Espíritos, podemos entender o que quis dizer Jesus nas mencionadas frases, do
seguinte modo: ao nos queixarmos do próximo, ao difundir suas falhas, impomos a
nós próprios o dever de nos mostrarmos e nos mantermos condignos do mérito que
julgamos possuir. Quem aponta os defeitos de alguém tem de necessariamente
possuir mais virtudes que ele, embora neste mundo seja difícil alguém possuir
todas as qualidades morais no mais alto grau da escala de valores espirituais.
Mas, às vezes, temos mesmo obrigação de apontar a falta alheia. Consultando
este guia seguro, O Evangelho segundo o Espiritismo, encontramos uma mensagem
do Espírito São Luís, no capítulo X, item 19. Diz ele que todos temos o direito
de repreender o próximo, uma vez que cada um deve trabalhar para o progresso
coletivo; no entanto, afirma: “Repreender com moderação, com um fim útil, e não
como se faz, geralmente, pelo gosto de denegrir”. Conforme o Mentor de Kardec,
deve-se corrigir o mal no próximo, mas com bastante prudência, objetivando
ajudar para não acarretar prejuízos a terceiros. Devemos repreender, mas com
moderação, de acordo com o dizer do Espírito. Então é um dever desmascarar o
hipócrita antes que possa causar danos a muitos? Sim! O espírita sincero jamais
contemporizará com a manifestação das falsas virtudes, exercendo ele próprio o
decoro em quaisquer momentos da sua vida, honrando compromissos com os seus
irmãos e, principalmente, com aqueles mais próximos, consoante ensinamentos de
Jesus. Olhar a outra pessoa com o coração. Essa frase parece estranha, pois nós
olhamos com os olhos e não com o coração. Mas estou utilizando essa expressão
um tanto poética para dizer que o nosso olhar deve ter sempre uma fonte de
julgamento: o coração. Isso porque, sempre que olhamos para alguém, acontece
naturalmente um julgamento, uma análise. Vemos o seu exterior, a situação que
se nos apresenta. Quantas vezes olhamos para uma pessoa e a realidade dela,
naquele momento, é reprovável ou triste! Outras vezes, olhamos a atitude errada
de alguém e logo julgamos e condenamos somente com o olhar. Noutro
momento, a situação é bela e grandiosa: alguém fazendo o bem, outra sendo
generosa, e o aprovamos de imediato. A reflexão que estou partilhando com você
é esta: o julgamento que exprimo com meu olhar reflete a realidade interior que
estou vivendo. A Bíblia diz que o olho é o espelho da alma. Por isso, muitas
vezes, quando não estamos bem, quando nosso interior está machucado pelas
agressões que a vida nos proporciona, quando perdemos o sentido para fazer
algumas coisas, ou estamos precisando ser amados, normalmente vemos e julgamos
de forma negativa as situações e as pessoas. Para olharmos o mundo com afeto,
isto é, transformarmos este olhar em um olhar positivo, é preciso curar o
próprio coração. Muitos dão nome a isso de cura interior. Todos precisamos de
cura interior. E esse é um processo que começa quando temos a coragem de
apresentar a Deus as nossas feridas, fraquezas, pecados e imperfeições, também
os sofrimentos que a vida nos proporcionou, as pessoas que nos feriram, e pedir
que a força redentora de Cristo atinja tudo isso e restaure, com o Seu supremo
Amor, os sentimentos do nosso coração. Somente um coração curado poderá fazer
com que você e eu possamos ver o mundo e as pessoas com um olhar generoso,
capaz de obscurecer os erros e elevar as suas qualidades. Eu quero chamar isso
de “olhar a pessoa com o coração”, mas com um coração renovado e curado. Então,
a dica que eu deixo para você é: procure curar o seu coração, reze nesse
sentido e peça a Jesus a sua cura interior. De tudo o que foi exposto depreendemos
que, temos de combater o mal, sim, sem, contudo, oprimir, esmagar quem o
pratica, caso contrário estaremos automaticamente a incorrer em contradição. O
bom senso manda admoestar sem difamar para não expandir sentimentos de
vingança, mesmo que alguém tenha feito por onde. Hipócritas de qualquer setor
humano, sobretudo o religioso, podem iludir os homens; todavia, jamais a Deus
que tudo vê e sabe o que se passa no fundo do coração de cada um de nós. É pela
árvore que se conhece os frutos. Se você busca a melhoria de algum fato que faz
parte de sua vida, faça uma autocrítica antes de criticar os demais. Quais são
os pontos que você pode melhorar? Quais são seus erros e como pode
consertá-los? Feito isso, você terá melhor capacidade e argumento mais
fundamental. Concluo este texto com uma mensagem de Dufêtre, bispo de Nevers,
constante em O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. X, item 18. Caros amigos,
sede severos convosco, indulgentes para as fraquezas dos outros. É esta uma
prática da santa caridade, que bem poucas pessoas observam. Todos vós tendes
maus pendores a vencer, defeitos a corrigir, hábitos a modificar; todos tendes
um fardo mais ou menos pesado a alijar, para poderdes galgar o cume da montanha
do progresso. Por que, então, haveis de mostrar-vos tão clarividentes com
relação ao próximo e tão cegos com relação a vós mesmos? Quando deixareis de
perceber, nos olhos de vossos irmãos, o pequenino argueiro que os incomoda, sem
atentardes na trave que, nos vossos olhos, vos cega, fazendo-vos ir de queda em
queda? Crede nos vossos irmãos, os Espíritos. Todo homem, bastante orgulhoso
para se julgar superior, em virtude e mérito, aos seus irmãos encarnados, é
insensato e culpado: Deus o castigará no dia da sua justiça. O verdadeiro
caráter da caridade é a modéstia e a humildade, que consistem em ver cada um
apenas superficialmente os defeitos de outrem e esforçar-se por fazer que prevaleça
o que há nele de bom e virtuoso, porquanto, embora o coração humano seja um
abismo de corrupção, sempre há, nalgumas de suas dobras mais ocultas, o gérmen
de bons sentimentos, centelha vivaz da essência espiritual. Espiritismo!
Doutrina consoladora e bendita! Felizes dos que te conhecem e tiram proveito
dos salutares ensinamentos dos Espíritos do Senhor! Para esses, iluminado está
o caminho, ao longo do qual podem ler estas palavras que lhes indicam o meio de
chegarem ao termo da jornada: caridade prática, caridade do coração, caridade
para com o próximo, como para si mesmo; numa palavra: caridade para com todos e
amor a Deus acima de todas as coisas, porque o amor a Deus resume todos os deveres
e porque impossível é amar realmente a Deus, sem praticar a caridade, da qual
fez ele uma lei para todas as criaturas. Assim sendo, preciso se faz ter a
perfeita medida das nossas obrigações, mudando nossa atitude de fiscais do
serviço dos outros e nos dedicando, com alegria e discernimento, ao trabalho de
transformação do homem velho que habita em nós há tantos séculos, para dar
oportunidade ao nascimento e crescimento do homem novo que jaz esquecido no imo
do nosso ser.
Muita Paz!
A serviço da
Doutrina Espírita; com estudos comentados, cujo objetivo é levar as pessoas a
uma reflexão sobre a vida, buscando pela compreensão das leis divinas o
equilíbrio necessário para uma vida feliz.
Leia Kardec!
Estude Kardec! Pratique Kardec! Divulgue Kardec!
O amanhã é
sempre um dia a ser conquistado! Pense nisso!