Viver para Deus
Ainda nos dias
de hoje temos ordens religiosas inteiramente divorciadas do mundo, em completo
isolamento, com a justificativa de que seus membros “vivem para Deus”, e assim
trabalham para retirar de si qualquer resquício de paixões e vícios. Ficam em
meditação, trabalhos manuais, orações, jejuns, cantos e silêncio, isolados da
convivência social. Segundo essas ordens religiosas, as mais diversas, seus
adeptos candidatam-se ao reino dos céus pelo virtuosismo que demonstram,
mortificando o corpo, não se contaminando com as impurezas humanas e, assim,
alcançando pureza espiritual. Perguntamos: será que esse é o caminho para
sublimação espiritual e conquista da felicidade após a morte? Será que o
isolamento da vida social é sinônimo de autoconhecimento em plenitude? Para
ilustrar o tema, fomos buscar no livro “Contos e Apólogos”, o conto A Divina
Visão, pelo Espírito Irmão X. Com a palavra o autor: Muitos anos orara certa
devota, implorando uma visão do Senhor. Mortificava-se. Aflitivas penitências
alquebraram-lhe o corpo e a alma. Exercitava não somente rigorosos jejuns.
Confiava-se a difícil adestramento espiritual e entesourara no íntimo preciosas
virtudes cristãs. Em verdade, a adoração impelira-a ao afastamento do mundo.
Vivia segregada, quase sozinha. Mas, a humildade pura lhe constituía cristalina
fonte de piedade. A oração convertera-se-lhe na vida em luz acesa. Renunciara às
posses humanas. Mal se alimentava. Da janela ampla de seu alto aposento,
convertido em genuflexório, fitava a amplidão azul, entre preces e evocações.
Muitas vezes notava que largo rumor de vozes vinha de baixo, da via pública. Não
se detinha, porém, nas tricas dos homens. Aprazia-lhe cultivar a fé sem mácula,
faminta de integração com o Divino Amor. Em muitas ocasiões, olhos lavados em
lágrimas, inquiria, súplice, ao Alto: - Mestre, quando virás? Findo o colóquio
sublime, voltava aos afazeres domésticos. Sabia consagrar-se ao bem das pessoas
que lhe eram queridas. Carinhosamente distribuía a água e o pão à mesa. Em
seguida, entregava-se a edificante leitura de páginas seráficas (relativo aos
Serafins). Mentalizava o exemplo dos santos e pedia-lhes força para conduzir a
própria alma ao Divino Amigo. Milhares de dias alongaram-lhe a expectação.
Rugas enormes marcavam-lhe, agora, o rosto. A cabeleira, dantes basta e negra,
começava e encanecer. De olhos pousados no firmamento, meditava sempre,
aguardando a visita Celestial. Certa manhã ensolarada, sopitando a emoção, viu
que um ponto luminoso se formara no espaço, crescendo... crescendo...
até que se transformou na excelsa figura do Benfeitor Eterno. O
inesquecível amado como que lhe vinha ao encontro. Que preciosa mercê lhe faria
o Salvador? Arrebatá-la-ia ao paraíso? Enriquecê-la-ía com o milagre de santas
revelações? Estática, balbuciando comovedora súplica, reparou, no entanto, que
o Mestre passou junto dela, como se lhe não percebesse a presença. Entre o
desapontamento e a admiração, viu que Jesus parara mais adiante, na intimidade
com os pedestres distraídos. Incontinente, contando a custo o coração no peito,
desceu até à rua e, deslumbrada, abeirou-se dele e rogou, genuflexa; - Senhor,
digna-te receber-me por escrava fiel! Mostra-me a tua vontade! Manda e
obedecerei! O Embaixador Divino afagou-lhe os cabelos e respondeu: - Ajuda-me
aqui e agora! Passará, dentro em pouco, pobre menino recém-nascido. Não tem pai
que o ame na Terra e nem lar que o reconforte. Na aparência, é um rebento
infeliz de apagada mulher. Entretanto, é valioso trabalhador do Reino de Deus,
cujo futuro nos cabe prevenir. Ajudemo-lo, bem como a tantos outros irmãos
necessitados, aos quais devemos amparar com nosso amor e dedicação. Logo após,
por mais se esforçasse, ela nada mais viu. O Mestre como que se fundira na
neblina esvoaçante. De alma renovada, porém, aguardou o momento de servir. E,
quando infortunada mãe apareceu, abraçando um anjinho enfermo, a serva do
Cristo socorreu-a, de pronto, com alimentação adequada e roupa agasalhante.
Desde então, a devota transformada não mais esperou por Jesus, imóvel e zelosa,
na janela de seu alto aposento. Depois da prece curta, descia para o trabalho à
multidão desconhecida, na execução de tarefas aparentemente sem importância,
fosse para lavar a ferida de um transeunte, para socorrer uma criancinha
doente, ou para levar uma palavra de ânimo ou consolo.
Reflexão:
O ser humano,
por natureza, é um ser relacional, assim, a vida social é-lhe natural, pois com
os outros ele tem a possibilidade de realizar aprendizados e de se desenvolver,
enquanto que, sozinho, isolado, ele não encontrará oportunidades de desenvolver
seu potencial divino, seja no campo intelectual quanto no campo afetivo. O
homem, inquestionavelmente, é um ser gregário, organizado pela emoção para a
vida em sociedade. O seu insulamento, a pretexto de servir a Deus, constitui
uma violência à lei natural, caracterizando-se por uma fuga injustificável às
responsabilidades do dia a dia. Tratando desse tema, Allan Kardec, ao tratar da
encarnação como necessária para o Espírito realizar seu progresso intelectual e
moral, afirma: “O progresso intelectual é realizado pela atividade que é
obrigado a desenvolver nos seus trabalhos. O progresso moral, pela necessidade
das relações mútuas entre os homens. A vida social é a pedra de toque das boas
e das más qualidades”. Sem a vida social, sem o relacionamento com outros
Espíritos encarnados, como haveremos de nos desenvolver? Não é possível
explorar a natureza, criar técnicas e ampliar conhecimentos vivendo
isoladamente, sem contato com outro ser vivente. O trabalho ficará restrito ao
necessário para a sobrevivência e o progresso se arrastará indefinidamente, o
que não condiz com a grandeza e perfeição de Deus. Do ponto de vista moral,
somente provaremos nossas virtudes e combateremos nossos vícios na relação com
os outros. As qualidades morais que enobrecem o caráter não surgem sem esforços
e sem as provas necessárias que somente podem acontecer na vida social, vivendo
com os outros. Sabemos que a oração é o ato de louvar e agradecer a Deus e aos
Espíritos superiores. A oração sincera, sentida, além de gerar ondas que atravessam
o Universo pode ser recebida nos mais diferentes planos espirituais. O que
impulsiona a oração é o sentimento sincero, é o desejo firme daquilo que nos
move a orar. Não existe oração sem sentimento. Além disto, a oração fecunda
predispõe aquele que a utiliza a agir no sentido de melhorar-se, de evoluir seu
estado, afim de obter aquilo que deseja. É o sentido pleno do pedi e obtereis,
movimentar-se para atingi-lo. Todos nós conhecemos pessoas que dedicam sua vida
à devoção a Deus e a Jesus, nosso Mestre e guia maior que se constitui no
caminho, na verdade e na vida. Mas é preciso observar que a fé, por mais
fervorosa que seja, não será capaz de substituir as obras na evolução e na
iluminação do ser. Passar a vida em adoração ou louvação é perder a
oportunidade de exercitar o que a vida nos impõe, a experiência na doação de si
mesmo e na construção de um mundo melhor. Aqueles que se retiram da vida no
intuito de purificar o coração e o espírito, impedindo que o contato com o
mundo possa maculá-lo, enganam-se quanto ao caminho da elevação. Jesus, nosso
guia maior, exemplificou com o contato com as pessoas, vivendo entre todos:
ricos e pobres; doentes e sãos; poderosos e pequenos, aproveitando as
oportunidades para levar a todos sua verdade e seu exemplo de fé. Falava de um
Pai compassivo, amoroso, misericordioso, justo, e que trabalha incessantemente
para manutenção do Universo. Assim, a devoção de Jesus não deve fazer com que o
devoto ou o candidato à elevação afaste-se da luta. A devoção a Jesus requer a
construção de um mundo melhor; requer a doação de si para amenizar dores e
sofrimentos; fechar feridas e chagas; harmonizar e reequilibrar o que está em desequilíbrio.
Amor requer ação; amor em ação é o que chamamos caridade. Muitas pessoas que se
dedicam à religião, não importando qual seja, pois, todas têm o mesmo objetivo
moral de elevar o homem, preocupam-se em não fazer o mal, em manter-se ligados
em oração com Jesus ou com Deus. Oram sempre que podem; comparecem à casa
religiosa com frequência; praticam, muitas vezes, abstinência e jejuns, como
recomendado por algumas seitas, mas vivem voltados para si mesmos, buscando
iluminar-se apenas pelo contato com a espiritualidade superior. A Lei de Deus,
entretanto, é uma lei de justiça e de caridade. É imutável e se aplica a todas
as criaturas. Ninguém há de se tornar santo por manter-se ligado em oração com
a divindade, dando graças, louvores, e pedindo a oportunidade de iluminação.
Cada qual deverá seguir o seu próprio caminho, vivendo suas provas e expiações,
aprendendo e crescendo com o exercício da vida. A oração, para aquele que vive,
será sempre um instrumento de apoio e de iluminação dos seres que ajuda a
suportar as condições e adversidades que lhes são próprias. Mas ela em si nada
fará, se não houver o mérito da ação e da lição aprendida. Louvar, agradecer e
pedir são práticas habituais de todos nós. Mas a elas devemos acrescentar
servir, doar de si, trabalhar, viver, experimentar. Muitas são as dores desse
mundo de provas e de expiações, e o devoto que deseja habilitar-se à elevação,
deve estar pronto para agir. Esta é a maior das orações, o exemplo do serviço.
Dependendo dos nossos sentimentos sinceros de servir, seremos instrumento da
misericórdia do Pai para com aquele que sofre, e que nos bate à porta ou que cruza
nosso caminho. O poder do exemplo de Jesus está aí há mais de dois mil anos a
nos convidar. Do mesmo jeito que elevamos os pensamentos para pedir, Ele também
nos convida ao trabalho fraterno produtivo, construtivo de um mundo melhor.
Convida-nos à reforma interior; a aquisição de valores e ao trabalho que
engrandece e ensina. Convida-nos a abandonar os velhos hábitos e costumes e a
viver no poder de Seu amor, deixando nascer um homem novo, sincero, verdadeiro,
que luta para combater suas fraquezas e suas imperfeições. Não devemos aguardar
que Jesus venha até nós; não devemos invocar a companhia dos Espíritos
superiores, ao contrário, devemos atender ao seu convite e trilhar o caminho do
serviço ao próximo e da humildade. O devoto de Jesus deve aprender com a
dedicação e a caridade, tornando-se um médium do Cristo, e, aí então,
candidatar-se à elevação e a pureza. Só os puros verão a Deus.
Muita Paz!
Prestando
serviço à Doutrina Espírita; com estudos comentados, cujo objetivo é levar as
pessoas a uma reflexão sobre a vida, buscando pela compreensão das leis divinas
o equilíbrio necessário para uma vida feliz.
Leia Kardec!
Estude Kardec! Pratique Kardec! Divulgue Kardec!
O amanhã é
sempre um dia a ser conquistado! Pense nisso!
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