Entusiasmo e
Responsabilidade
O objetivo desse
texto é levantar, de maneira despretensiosa, algumas questões de ordem moral e
espiritual que permitam melhorar os nossos relacionamentos, a partir de um
processo reflexivo sobre elas. No item 2 do capítulo XX de O Evangelho segundo
o Espiritismo, o Espírito Constantino diz o seguinte: “Bons espíritas, meus
bem-amados, sois todos trabalhadores da última hora”. Daí, podemos depreender
que não basta ser espírita; é preciso ser bom espírita. Para ilustrar o nosso
estudo, fomos buscar no livro Pontos e Contos, ditado pelo Espírito Irmão X,
uma passagem intitulada Entusiasmo e Responsabilidade. Conta-nos assim o autor:
Nos primeiros tempos da nova fé, Aureliano Correia não regateava as
manifestações entusiásticas. - Sou espírita, exclamava convicto, pertenço às
fileiras dos discípulos sinceros da Nova Revelação. Tenho a minha tarefa a
cumprir. O rapaz vivia embriagado de júbilo. Comparecia pontualmente às
reuniões doutrinarias, comentava ardoroso, os ensinamentos ouvidos. Expunha
projetos grandiosos, relativamente ao futuro. Instituiria núcleos de fé viva,
disseminaria fundações de amor fraternal. Afirmava, sem medo, a nova atitude e
prometia realizações seguras e generosas. Não se contentava em estabelecer
compromissos com a fé. Aureliano ia mais longe. Referia-se ao Espiritismo na
política, na filosofia, nas artes, nas ciências. Trabalharia sem cessar, dizia
ele, e criaria diretrizes novas e edificações mais sólidas para o espírito
humano. Continuava atravessando a região do entusiasmo fácil, quando, certa
noite, no parcial desprendimento do sono, foi conduzido à presença de um de
seus orientadores espirituais. O companheiro exultava. A entidade amiga falou
carinhosamente, depois de abraçá-lo: - Aureliano, que o Senhor te abençoe as
esperanças de redenção. Teu caminho cobre-se, agora de júbilos santos. Guardas,
meu amigo, a divina lâmpada no coração. A benção do Eterno Pai segue tuas
aspirações de progresso. Sê bendito e feliz, filho meu! Teu ideal de crente
fervoroso será uma roseira florida no jardim do Mestre Generoso e o perfume de
fé em teu espírito idealista. O rapaz chorava de contentamento e emoção. E o
sábio mentor prosseguiu calmo e bondoso: - Atingirás a praia sublime da paz
consoladora e, seguro na terra firme das convicções sadias, observarás, espiritualmente,
de longe, o oceano revolto do mundo, embora continues em serviço de abnegação
ativa a beneficio dos nossos irmãos encarnados, aflitos e vacilantes, na grande
jornada, através das ondas vorazes da ilusão. Receberás consolações celestes,
ao contato dos amigos espirituais que te esperam, deste lado da vida.
Conhecerás a profunda alegria da luz eterna, no tabernáculo da alma crente. As
dificuldades da terra surgirão aos teus olhos, na qualidade de benfeitoras. No
seio das lutas mais forte, sentirão o beijo caricioso da amizade dos Servos
Glorificados de Deus, invisíveis no mundo aos olhos mortais. Cada dia será uma
taça de oportunidades benditas ao teu coração e cada noite um parque de claridades
compassivas, onde meditarás nas Dádivas Celestes, entre a alegria e o
reconhecimento. Alcançarás o bem-estar de quem encontrou o amor universal, a
compreensão de todos os seres e o respeito a todas as coisas e, venturoso,
estarás a caminho de esferas iluminadas, a distancia dos círculos inferiores da
carne, seguindo com Jesus, amparado por seu divino amor... Enquanto a entidade
fazia súbita parada, sentia-se Aureliano o mais feliz dos homens. Seria o
aprendiz superior, discípulo dileto do Cristo. Não cabia em si de satisfação. O
orientador devotado, porém, quebrou a pausa longa e tornou a falar: - Mas, como
sabes Aureliano, não existe concessão sem responsabilidade. Alguma coisa dará
de ti mesmo, para receberes tantas bênçãos. Para que te integres na posse
definitiva de semelhante tesouro, é necessário que abandones a caverna dos
instintos inferiores e que sejas um homem renovado em Cristo-Jesus. Não poderás
perder o Mestre de vista, procurando seguir-lhe os passos, desde a manjedoura
de submissão a Deus até o cuspo irônico do povo de Jerusalém, a fim de que o
encontres no Calvário, a caminho da ressurreição. É indispensável seguir Jesus
e Alcançá-lo, no monte do testemunho, diante dos homens e da suprema obediência
ao Eterno Pai. Serás bafejado pelas harmonias celestes; entretanto, não te
poderás esquivar aos sacrifícios terrestres. Receberás a tranquilidade que
excede a compreensão das criaturas; todavia, para que isto se verifique, é
indispensável te arrependas do passado delituoso e creias na tua sublime
oportunidade de hoje, negando-te a alimentar o “homem velho” que ainda te
domina o coração, e suportando a luminosa cruz de teus serviços de cada dia,
acompanhando Aquele que nos dirige os destinos desde o principio. Ganharás a
luz, Aureliano, mas é imprescindível que expulses as sombras que te rodeiam.
Atingirás a esfera superior; no entanto, é preciso que te retires das zonas mais
baixas dos vastos caminhos da vida. Não temas, porém, meu filho! Jesus não
desampara a boa-vontade dos homens! Nesse instante, Aureliano acordou muito
pálido. Aquela advertência calara-lhe fundo. Sentia-se desapontado. Estimava o
entusiasmo, as vibrações festivas, os rasgos da palavra, mas não se lembrara
ainda do campo da responsabilidade e do serviço inevitáveis. Queria uma
doutrina para se proteger, mas nunca pensara na fé que exige trabalho, abnegação
e testemunho no bem ativo. Estava, portanto, decepcionado. Aureliano, tão
expansivo nas afirmações fáceis, levantou-se da cama, profundamente amuado,
arredio, nervoso. Sua mente recuava, a passos largos, nas promessas feitas. Mal
não saíra de casa, a caminho do centro urbano, eis que quatro companheiros
humildes lhe surgem à frente, solicitando ansiosos: - Aureliano amigo, fundamos
ontem um núcleo modesto e contamos com você! Sentimo-nos cercados de
necessidades espirituais e precisamos cooperadores de sua envergadura. Venha
hoje à noite, não falte. Esperamos que aceite o nosso convite e que não
desampare a nossa confiança! O interpelado, porém muito diferente da véspera,
sem qualquer disposição ao serviço sério, e positivamente em fuga ante a ideia
de responsabilidade, respondeu com secura: - Não, meus amigos, não posso dizer
que sou espírita. E, depois de uma pausa, ante o espanto dos companheiros,
concluiu, como muita gente: - Tenho muita vontade de ser.
REFLEXÃO:
O homem, filho
de Deus, criado em espírito à Sua imagem e semelhança, diferencia-se dos
animais chamados irracionais pela vontade própria, pela inteligência, pelo
livre-arbítrio, na escolha de seus caminhos. Cada um decide o que deseja viver
e como deseja viver e, portanto, tem total autonomia de curso. Cabe-lhe buscar
aquilo que deseja, esforçando-se, através do trabalho, na construção de seu
próprio destino. Evolui em espiritualidade, em função das experiências vividas,
das quais tira lições necessárias ao seu burilamento, ao seu aperfeiçoamento, à
aquisição da luz divina. Quando encarnado, luta contra a herança milenar
trazida de seu passado, que o obriga conciliar a inteligência de que é dotado
com o instinto, que faz parte integrante da sua animalidade. Quando atinge
determinado grau de percepção, lida com a razão, que o faz entender melhor a
sua origem e a sua destinação. Aqueles que já entendem e percebem a presença de
Deus em suas vidas, já conseguem avaliar melhor sua condição humana e sua
evolução espiritual. O Espiritismo, cristianismo redivivo, traz para aqueles
que percebem a clareza de sua doutrina um entusiasmo muito grande, levando-os
ao desejo de romperem com o passado delituoso e a buscarem um futuro mais
promissor em termos espirituais. Kardec diz, em O Evangelho Segundo o
Espiritismo, que reconheceremos o espírita pela luta que ele trava com suas
próprias imperfeições e pela disposição que, sinceramente, apresenta para
vencer o mundo. Mas é preciso entender que a Natureza não dá saltos, e que
nossos compromissos do pretérito são imensos. Assim, ninguém há de tornar-se
santo da noite para o dia porque já é capaz de questionar-se naquilo que faz. O
entusiasmo daquele que começa a praticar a doutrina, a acompanhar e assistir as
palestras, a habituar-se às leituras das obras trazidas pelos mensageiros
divinos, é sempre muito grande. A descoberta pela aplicação da fé raciocinada
dos princípios e das leis que regem a vida, faz com que o iniciante busque
falar da doutrina a todo instante, a todas as pessoas, e em todas as ocasiões.
Alguns tornam-se até inconvenientes quando desejam modificar as outras pessoas
com seus novos modelos de pensar, com seus novos paradigmas espirituais. Para
essas pessoas, tudo o que ocorre é prontamente explicado à luz da reencarnação,
à luz dos débitos do passado. Outros, depois de abraçarem a causa espírita,
preocupam-se em rebuscar o passado, para identificarem as vidas anteriores,
tornando-se, muitas vezes, presas fáceis do erro e da ilusão. Ora, se Deus
quisesse que soubéssemos o que fomos, não nos teria proporcionado a
misericórdia do esquecimento do pretérito. É claro que o entusiasmo é uma
premissa necessária ao trabalhador da seara do bem. Entusiasmo significa
alegria de sentir Deus em nós e, portanto, é a força propulsora de grandes
ações. Mas apenas o entusiasmo não constrói um mundo melhor. O mundo é
construído pelas ações, pelas obras, e estas requerem disposição para o serviço
e, sobretudo, responsabilidade pelos resultados. Lembrando a Parábola do
Semeador, é preciso perceber o terreno que preparamos dentro de nós para
receber a semente do amor e da fraternidade. Se prepararmos o terreno com a
terra rasa do entusiasmo inicial, a planta não vinga, e o aparecimento dos
primeiros obstáculos faz com que deixemos a desejar a responsabilidade pelo
serviço. Tenho muita vontade de trabalhar pela causa espírita; tenho muita
vontade de ajudar ao necessitado; assim que puder, montarei um orfanato. Estas
são frases bastante comuns entre nós, que já recebemos do Criador a
oportunidade de discernir sobre nossa destinação. O homem velho teima em se
manter ligado aos compromissos do mundo material, e inibe a ação do homem novo
que deseja alçar voos mais elevados na espiritualidade. Muitos de nós desistem
e dizem ser difícil tornar-se espírita no entendimento de que o espírita deve
ser uma pessoa perfeita. Não digamos que temos vontade. Sejamos espíritas,
lutando a cada instante para vencer a animalidade inferior que ainda mora
conosco. A cada queda, a cada deslize, que sejamos capazes de reconhecer as
fraquezas existentes. Peçamos força e amparo para vencermos a nós mesmos. Sim,
somos espíritas e nos dispomos a servir, a trabalhar pelo bem por um mundo
melhor, onde o amor se estabeleça em sua plenitude, e a misericórdia e o perdão
sejam parte integrante da vida. Se somos pequenos pecadores, não importa. Que
além do entusiasmo pela Doutrina Espírita, saibamos aceitar a responsabilidade
pelo serviço na seara do amor e do bem. Deus é nosso pai. Jesus é nosso mestre
e nosso guia. E, nós, pecadores contumazes, mas marchando incessantemente a
caminho da luz.
Muita Paz!
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