O Que se pode
entender por pobre de espírito?
As
Bem-aventuranças com que o Mestre Jesus preambulou o Sermão da Montanha
constituem, sem dúvida alguma, uma mensagem divina aos homens de todas as raças
e de todas as épocas, destinada a servir-lhes de roteiro, rumo à perfeição.
“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.”
(Mateus, 5.3). Jesus está aqui ensinando uma importantíssima lição sobre
aqueles que o seguem e são seus discípulos, de modo que somente poder ser
verdadeiramente feliz aqueles que são pobres de espírito. Para entendermos o
significado de ser “pobre de espírito”, será mais fácil se primeiro for
esclarecido o que não é ser pobre de espírito, e aqui vou dar exemplo.
Primeiro, pobre ou humilde de espírito não se refere à pobreza financeira, ou
aquele que é desprovido de bens materiais e não possui luxúria em sua vida.
Jesus não está se referindo a isso. Na própria Escritura vemos que nem a
pobreza em si é um bem e nem a riqueza em si mesmo é um mal. Para ilustrar esse
estudo de total ausência de vaidade e desligamento das coisas transitórias da
Terra, fomos buscar no livro Pontos e Contos, ditado pelo Espírito Irmão X, uma
passagem intitulada “Olá, meu irmão”. É a história de Cipriano Neto, homem de
grande inteligência, homem da literatura, que se encontrava agora no mundo
espiritual falando para uma pequena assembleia de desencarnados. Ele, então,
diz que, na sua última experiência na carne, passou por uma prova difícil, e
ralado pelas dores chegou à Doutrina Espírita. Saciado pela água viva de santas
consolações, resolveu servir ao Espiritismo. Conta-nos assim o autor
espiritual: A disposição amiga, acentuava Cipriano Neto, é verdadeiro tônico
espiritual. Não raro, envenenamos o coração, à forma de insistir na máscara
sombria. Má catadura (expressão do semblante) é moléstia perigosa, porquanto as
enfermidades não se circunscrevem ao corpo físico. Quantos negócios de muletas,
quantas atividades nobres interrompidas, em virtude do mal humor dos
responsáveis? Claro que ninguém se deixe absorver pelos malandros de esquina,
mas o respeito e a afabilidade para com as criaturas honestas, seja onde for,
constituem alguma coisa de sagrado, que não esqueceremos sem ferir a nós
mesmos. A frente da pequena assembleia, toda ouvidos, Cipriano, com a graça de
sua privilegiada inteligência, continuou, após leve pausa: Na Terra, o
preconceito fala muito alto, abafando vozes sublimes da realidade superior.
Nesse capítulo, tenho a minha experiência pessoal, bastante significativa. Meu
amigo calou-se, por alguns momentos, vagueou o olhar muito lúcido, através do
horizonte longínquo, como a vasculhar o passado, e prosseguiu: - É quase
inacreditável, mas o meu fracasso em Espiritismo não teve outra causa. Não
ignoram vocês que meu coração de pai, dilacerado pela morte do filho querido, fora
convocado à Doutrina dos Espíritos, ansioso de esclarecimento e consolação.
Banhado de conforto sublime, senti que minhas lágrimas de desesperação se
transformaram em orvalho de agradecimento à bondade de Deus. Meu filho não
morrera. Mais vivo que nunca, endereçava-me carinhosas palavras de amor.
Identificara-se de mil modos. Não havia lugar à dúvida. Inclinei-me, então, à
Doutrina renovadora. Saciado pela água viva de santas consolações, não sabia
como agradecer à fonte. Foi aí que recordei as minhas possibilidades
intelectuais. Não seria justo servir ao Espiritismo, através da palavra ou da
pena? Poderia escrever para os jornais ou falar em público. Profundamente
reconhecido à nova fé, atendi à primeira sugestão de um amigo e dispus-me a
fazer uma conferência. Anunciou-se o feito e, no dia aprazado, compacta
assistência esperou-me a confissão. Seduzido pela beleza do Espiritismo
Evangélico, discorri longamente sobre a caridade. Aplausos, abraços, sorrisos e
felicitações. No círculo dos meus companheiros de literatura, porém, o assunto
fizera-se obrigatório. Voltando à Avenida, no dia imediato ao acontecimento,
meu esforço foi árduo para convencer os confrades de letras de que não me
achava louco. Infelizmente, porém, minha decisão não se filiava senão à vaidade.
Pronunciara a conferência como se o Espiritismo necessitasse de mim. Admitia,
no fundo, que minha presença honrara, sobremaneira, o auditório e que a
codificação kardequiana em mim encontrara prestigioso protetor. Desse modo,
alardeava suma importância em minhas palestras novas. Citava a antiguidade
clássica, recorria aos grandes filósofos, mencionava cientistas modernos.
Quando nos encontrávamos, meus colegas e eu, no ápice das discussões preciosas,
eis que surge o Elpídio, velho conhecido meu e antigo tintureiro em
Jacarepaguá. Sapatos rotos, calças remendadas, cabelos despenteados, rosto
suarento, abeirou-se de mim e estendeu-me a destra, exclamando alegre: Olá, meu
irmão! Meus parabéns! Fiquei muito satisfeito com a sua conferência!
Entreolharam-se os meus amigos, admirados. E confesso que respondi à saudação
efusiva, secamente, meneando levemente a cabeça e senti-me deveras humilhado.
Em vista do meu silêncio, o tintureiro despediu-se, mostrando enorme
desapontamento. É de sua família? Indagou um companheiro mais irônico. Estes
senhores espiritistas são os campeões da ingenuidade! Exclamou outro
circunstante. Enraiveci-me. Não era desaforo semelhante homem do povo chamar-me
“irmão”, ali, em plena Avenida, diante dos colegas de tertúlias acadêmicas?
Estaria, então, obrigado a relacionar-me com toda espécie de vagabundos? Não
seria aquilo irmanar-me a rebotalhos de gente, na via pública? O incidente
criou em mim vasto complexo de inferioridade. Cegavam-me, ainda, velhos
preconceitos sociais e a ironia dos companheiros calou-me fundo, no espírito. A
ausência de afabilidade e a incompreensão grosseira dominaram-me por completo.
O fermento da negação trabalhou-me o íntimo, levedando a massa de minhas
disposições mentais. Resultado? Voltei à aspereza antiga e, se cuidava de
doutrina, confinava-me a reduzido círculo doméstico. Não estimava a companhia
ou a intimidade daqueles que considerava inferiores. Os anos, todavia, correm
metodicamente, alheios à nossa vaidade e ignorância, e impuseram-me a restituição
do organismo cansado ao seio acolhedor da Terra. Sabem vocês, por experiência
própria, o que nos acontece a essa altura da existência humana. Gritos
estentóricos (Diz-se da voz forte) de familiares, pavor de afeiçoados, ataúde a
recender aromas de flores das convenções sociais. Em meio da perturbação geral,
senti que sono brando se apoderava de mim. Nunca pude saber quantos dias gastei
no repouso compulsório. Despertando, porém, debalde clamei por meu filho
bem-amado. Sabia perfeitamente que abandonara a esfera carnal e ansiava por
encontrar-lhe o carinho. Deixei a residência antiga, ferido de amargosas
preocupações. Atravessei ruas e praças, de alma opressa. Atingi a Avenida, onde
me dava ao luxo de palestrar sobre ciência e literatura. E ali mesmo, junto ao
aristocrático Café, divisei alguém que não me era estranho às relações
individuais. Não tive dificuldades no reconhecimento. Era o Elpídio,
integralmente transformado, evidenciando nobre posição espiritual, trocando
ideias com outras entidades da vida superior. Não mais os sapatos velhos, nem o
rosto suarento, mas singular aprumo, aliado a expressão simpática e bela, cheia
de bondade e compreensão. Aproximei-me, envergonhado. Quis dizer qualquer coisa
que me revelasse a angústia, mas, obedecendo a impulso que eu jamais soube
explicar, apenas pude repetir as antigas palavras dele: “Olá, meu irmão! Meus
parabéns!” Longe, todavia, de imitar-me o gesto grosseiro e tolo de outro
tempo, o generoso tintureiro de Jacarepaguá abriu-me os braços, contente, e
exclamou com sincera alegria: Ó meu amigo, que satisfação! Venha daí, vou
conduzi-lo ao seu filho! Aquela bondade espontânea, aquele fraternal
esquecimento de minha falta eram por demais eloquentes e não pude evitar as
lágrimas copiosas! Nossa pequena assembleia de desencarnados achava-se
igualmente comovida. Cipriano calou-se, enxugou os olhos úmidos e terminou: A
experiência parece demasiadamente humilde; entretanto, para mim, representou
lição das mais expressivas. Através dela, fiquei sabendo que a afabilidade é
mais que um dever social, é alguma coisa de Deus que não subtrairemos ao
próximo, sem prejudicar a nós mesmos.
REFLEXÃO:
A expressão
“pobres de espírito" interpretada ainda, por muitos, como sendo pessoas
sem inteligência, dentro do contexto das leis divinas, ensinadas e vivenciadas
por Jesus, só podem significar os humildes, os que não buscam demonstrar o que
sabem, não procuram exaltar-se ou exibir o que sabe, considerando,
sinceramente, que muito têm ainda que aprender. Jesus sempre colocou a humildade
entre as virtudes que aproximam o homem de Deus e o orgulho entre os vícios que
o afastam dele, porque " a humildade é uma atitude de submissão a Deus,
enquanto o orgulho é a revolta contra Ele." A humildade é, talvez, a
virtude da qual menos se fala. Penso que tal acontece por ser ela a mais
difícil de ser desenvolvida em um mundo, cuja humanidade, ainda se prende muito
aos valores e prazeres materiais, onde a competição aguerrida, a luta pelo
sucesso, pelo poder, pelo dinheiro, são ações estimuladas e aplaudidas. Na
Terra, o orgulho continua sendo muito estimulado, até mesmo por aqueles que
aceitam a existência de Deus, mas negam a Sua ação providencial sobre todas as
coisas, considerando-se capazes de tudo resolver, com sua inteligência. As
Bem-aventuranças com que o Mestre Jesus preambulou o Sermão da Montanha
constituem, sem dúvida alguma, uma mensagem divina aos homens de todas as raças
e de todas as épocas, destinada a servir-lhes de roteiro, rumo à perfeição. E
logo na primeira Aventurança, Ele afirmou: “Bem-aventurados os pobres de
espírito, porque deles é o reino dos céus”. Ainda hoje, muito se fala
sobre tal ensinamento. No entanto, tal ensino, como tantos outros, resta ainda
incompreendido pelos homens. Esta estória ilustra o nosso estudo de total
ausência de vaidade e desligamento das coisas transitórias da Terra. Nela, nós
já podemos identificar quem é o pobre de espírito e quem tem grandes
dificuldades para sê-lo. Isso também acontece conosco, porque temos grande
dificuldade de sermos “Elpídios”, mas também temos grande facilidade de sermos
“Ciprianos”. Nós carregamos essas dificuldades, e estamos aqui na Terra
justamente para modificarmos isso. Então, vamos buscar dentro daquilo que a
Doutrina Espírita nos apresenta as informações para podermos entender o que é
ser “pobre de espírito” e, principalmente, saber qual o caminho que devemos
seguir para sermos Elpídio. Quando Jesus pregou o Sermão da Montanha, que
define o caráter do verdadeiro discípulo, suas palavras iniciais foram diretas
ao coração, mas muitos ouvintes não O ouviram, porque nunca passaram do ponto
de partida. Mesmo hoje, a maior parte da mensagem do Evangelho cai em ouvidos
surdos, de homens arrogantes. Na passagem evangélica narrada por Mateus (V, 3),
Jesus vem nos falar que são bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles
é o Reino dos Céus. Difícil, porém, é a compreensão desse preceito, e de como
nos tornarmos pobres de espírito, para vencermos o homem orgulhoso que ainda
somos. O Mestre não quis dizer que seriam bem-aventurados os que tivessem pouca
inteligência, os ignorantes, os de baixa condição, os obscuros. Essa pobreza de
espírito está associada à humildade, àqueles que não têm orgulho, àqueles que
sabem quem são e àqueles que se autoconhecem. Àqueles que não se envaidecem
pelo que sabem e que nunca exibem o que têm. Aí está a humildade. O humilde
sabe de onde ele veio, porque está aqui e sabe para onde ele vai. Por isso, ele
não se supervaloriza. Sem a humildade, nenhuma virtude se mantém. Os humildes
toleram em sua singeleza, suportam as injustiças. Pobres de espírito são os
bons, que sabem amar a Deus e ao próximo, tanto quanto a si próprios. Para
estes é que Jesus disse: - “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles
é o Reino dos Céus”.
Muita Paz!
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